sábado, agosto 26, 2006

Oxigénio


Já lá vai o tempo em que o amor me preocupava, agora penso.
Ganho, perco, poupo tempo a pensá-lo, a senti-lo.
Olho o lago e o cisne e a flor, e digo: nunca me bastaram.
Olho as pessoas e as coisas, e digo: nunca me bastaram.
Olho-me e digo: nunca me bastei.
De que precisaria, então, para me bastar?
Para fruir da saúde, os outros, a vida?
Que me faltou, quem me impediu?
Quem me ensurdeceu à própria voz?
Porque não escutei o meu grito de socorro?
Não me estendi a mão?
Me deixei cair, despenhar?
Quem, além de mim, posso culpar?
Ás vezes, digo: foi esta vontade de ser amada!
Esta servidão à vida e aos outros!
Esta mendicância de mimos, de palmas!
Este sol, esta luz, este vinho!
Estes fricassés da minha infância!
Este pai, esta mãe, estes meus irmãos!
Este País ajoelhado, esta poesia queixosa, esta saudade trágica!
Esta, sobretudo, esta, inferioridade!
Outras vezes, penso: foi pena.
Ninguém me ter dito que não era com os outros, mas comigo,
que eu teria de viver.
Mais.
Sempre.
Inescapavelmente.
Até que a vida, enfim, me separe.
O corpo da alma, os outros de mim.
Porque não há moeda.
Poder.
Divórcio, viuvez.
Não há, sequer, invalidez. Que nos aparte, nos desmembre.
Nos liberte de nós.
Nascemos ao mesmo tempo. Morremos sozinhos.
Eu e eu.
Os meus talentos, os meus aleijões.
Os meus lamentos, as minhas pulsões.
A minha natureza, as minhas digestões.
Aprendi então, a viver comigo.
A seduzir-me, a saborear-me.
Para que a minha companhia me agrade sempre.
Que, na dificuldade de me odiar, aceite amar-me.
E que, desse amor, possa nascer novo fruto.
Não foi, aliás, facultativo.
Se o fosse, não estaria aqui.
Viver comigo é longo, interminável.
Imposto, indeclinável.
E as fugas a mim mesma têm custo.
Não basta o sangue, o mesmo sangue.
É preciso amizade. Uma grande e superior amizade.
Despede-se um amigo, derrota-se um inimigo.
Não nos livramos de nós.
Só com uma grande amizade nos suportamos.
Nos resignamos, nos perdoamos.
É preciso fomentar um sentimento.
Para carregar o mesmo corpo, a mesma casa.
A mesma carne, o mesmo querer.
Pecados, corrupções. Batotas, desilusões.
E nunca o eu se fartar de mim.
Por estar preso, cravado. Sobreposto, agrilhoado.
Condenado a si mesmo e àquilo que se chama de solidão.
Solidão?
Nunca estou só, estou a meu lado!
E deveria bastar viver assim.
Permanentemente acompanhado, apaixonado.
Sozinho, é quem se cansa de si mesmo.
Se sente um desprazer, uma doença. Precisa, então, de amar.
Tanto, tudo.
Assolapada, veemente.
E perder
Para que enfim se baste, se desprenda.
Não precise, não dependa.
E o outro não seja afinal, mais do que eu.
A possibilidade, a novidade.
A pista, a luz, a alternativa.
Porque essa reside em mim
Se nada nem ninguém me bastou o que me faltou fui eu.
De novo.

terça-feira, agosto 15, 2006

Polaroids






da caixa de tesouros.

segunda-feira, agosto 14, 2006

30



um dia destes escrevo aqui qualquer coisinha, estou a assimilar, lenta e suavemente, os 30.

Mas sinto sempre esta necessidade de mudar.
Trabalhando, querendo, sabendo e conseguindo mais. Em cada dia.

quinta-feira, agosto 10, 2006

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Ilha da Fuseta

ou não. As férias são quase sempre, bestiais. Estas foram. É o sossego do vazio lá fora que alimenta a tranquilidade cá dentro. O mar que resiste dia e noite, salgado, imponente, lutador, em melodia que não atrevo descrever. O areal que não termina, em cada grão, em cada concha, em cada sonho, todos os pedaços de história. Aqui tudo tem vida. É tudo o que vejo, nada. A noite alimenta o olhar, o ar é fresco e cheio de prazer, os dedos passeiam com a música em mim, e a água espelha a trovoada que passa lá longe, onde os relampagos rasgam o céu. Deixo-me cair, e abandono o corpo, fico mesmo por aqui sossegada, sinto os pés na areia, a música nas mãos, o coração longe e nesse momento penso como é bom, respirar.

"Más adentro, mar adentro"

segunda-feira, agosto 07, 2006

Road trip





'tá bem, tá bem, a pedido de muitas famílias....

domingo, agosto 06, 2006

Porto sentido




Quem vem e atravessa o rio
junto à Serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar

Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, são-joaninha
dirigida sobre um monte
no meio da neblina

Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós

E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria

Ver-te assim abandonada
nesse timbre para sempre
nesse teu jeito fechado
de quem mói o sentimento

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa.

obviamente, de Chico Fininho